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OAB-MT aciona judicialmente o procurador-geral de Justiça e pede explicações

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT) protocolou no Tribunal de Justiça do Estado (TJMT), nesta terça-feira (26.11), um Pedido de Explicações em Juízo (interpelação judicial) em face do procurador-geral de Justiça, Deosdete Cruz Júnior, sobre as afirmações feitas durante o evento de lançamento do Programa Tolerância Zero ao Crime Organizado, nessa segunda-feira (25.11), no Palácio Paiaguás, em Cuiabá.

A presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, ressaltou que não se pode admitir que um direito do cidadão e uma prerrogativa da advocacia seja relativizada. “O sigilo advogado/cliente é absoluto, representa a garantia dos direitos fundamentais, as garantias constitucionais do cidadão. Mais do que discordar, lamento profundamente o comentário do procurador. Não vamos admitir esse tipo de sugestão”, afirmou

Em sua fala, Deosdete Cruz Junior que deu a entender que os advogados estariam auxiliando os criminosos. “Essas pessoas [criminosos] continuam falando lá de dentro com, muitas vezes, advogados que usurpam dessa função, que são pombos correio do crime. O advogado que está atendendo um faccionado tem que ter a sua conversa gravada para o bem da sociedade”.

“Essas afirmações denotam não apenas flagrante desrespeito a direitos fundamentais, como fere as prerrogativas da advocacia, que existem para garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados. Em hipótese alguma a OAB-MT vai tolerar relativização de prerrogativas ou dos direitos dos jurisdicionados”, pontuou Gisela Cardoso.

A OAB-MT destaca em sua interpelação que “as afirmações (do PGJ), de ampla repercussão, extrapolam o limite de críticas legítimas e colocam sob suspeita a conduta ética e profissional da classe dos advogados, insinuando que estes estariam atuando em conluio com organizações criminosas”.

Para a Seccional, ao não individualizar condutas específicas ou mencionar casos concretos de advogados (as) envolvidos em supostas irregularidades, a generalização das acusações lançadas à classe dos advogados pode configurar ofensa à honra coletiva e danos à imagem da advocacia como um todo, prejudicando a confiança da sociedade no exercício da profissão. Em razão disso, são necessárias as devidas explicações em juízo.

De acordo com a presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, é necessário lembrar que o sigilo das comunicações entre advogado e cliente, assim como o pleno exercício da advocacia, são condições indispensáveis para a garantia do direito de defesa, consagrado no artigo 5º, da Constituição Federal. “Assim, é importante que o procurador-geral se explique e esclareça as suas declarações, que diga se sua intenção é imputar condutas criminosas à classe dos advogados de forma generalizada, ou se foram baseadas em casos concretos devidamente investigados”.

Direito de privacidade não pode estar acima do direito da sociedade

O procurador geral de Justiça, Deusdete, assinou um texto publicado pelo Ministério Público nesta terça-feira (26.11), onde reforça seu posicionamento: “O ladrão de galinha, o pequeno estelionatário, o criminoso do cotidiano, estes devem ter a integralidade de seus direitos respeitados, mas o faccionado, por representar risco para a existência do Estado, deve ter seu direito de privacidade relativizado. Por isso mesmo, reafirmamos que é o momento de se discutir a gravação das conversas dos presos faccionados com seus advogados, e com qualquer pessoa, pois o seu direito de privacidade não pode estar acima do direito da sociedade em ver cessar a prática de crimes que afrontam a soberania e o monopólio estatal de poder.”

Leia a seguir o texto na íntegra:

Durante coletiva em que o Governo do Estado anunciou medidas concretas de combate às organizações criminosas, ressaltamos a dificuldade de combater estas facções com uma legislação ultrapassada e com o tratamento que se dispensa ao criminoso comum. 

As facções criminosas têm se posicionado com a pretensão de consolidar uma espécie de Estado paralelo, o que fica evidente com a atuação criminosa voltada à dominação de território, a usurpação da atuação dos órgãos de segurança e de justiça, através do uso de disciplinas físicas e mortes patrocinadas por estes grupos e, por fim, com a cobrança criminosa de valores para que os cidadãos de bem possam desempenhar suas funções lícitas.

Esta espécie de criminalidade não deve ser aceita como algo normal e comum. Muito pelo contrário, são crimes que colocam em risco os pilares do Estado de Direito, e por isso mesmo devem ser combatidos de modo enérgico. O ladrão de galinha, o pequeno estelionatário, o criminoso do cotidiano, estes devem ter a integralidade de seus direitos respeitados, mas o faccionado, por representar risco para a existência do Estado, deve ter seu direito de privacidade relativizado. Por isso mesmo, reafirmamos que é o momento de se discutir a gravação das conversas dos presos faccionados com seus advogados, e com qualquer pessoa, pois o seu direito de privacidade não pode estar acima do direito da sociedade em ver cessar a prática de crimes que afrontam a soberania e o monopólio estatal de poder.

Muito mais que uma discussão corporativa, é preciso uma reflexão com os olhos críticos voltados para os fatos lamentáveis que temos testemunhado, como dezenas de execuções e crimes praticados por ordem de lideranças faccionadas presas. Por isso, mais do que apontar dedos, precisamos, enquanto sociedade, discutir se o direito de privacidade de um preso faccionado está acima da segurança dos demais cidadãos, o que refuto em sintonia com parcela considerável de juristas que reconhecem o risco que as facções representam para a democracia e para a ordem pública.

Neste escopo, reafirmo o quanto dito naquela oportunidade, no sentido de termos especial deferência à OAB, instituição essencial para a democracia e para a justiça brasileira, mas nenhum direito deve ser absoluto quando possa ser utilizado para acobertar a prática de crimes que colocam em risco a própria organicidade do Estado.

O alerta deveria colocar todas a instituições democráticas do mesmo lado, qual seja a defesa do interesse da sociedade, afinal, em um Estado eventualmente dominado por facções criminosas ninguém precisará de policiais, juízes, promotores e também serão desnecessários os advogados.

Deosdete Cruz Junior
Procurador-geral de Justiça  de Mato Grosso”

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